Um ano antes da morte de meu pai, por complicações da Covid 19, ganhei de presente de uma amiga, Dra Carmen Regina Saraiva, uma cópia da “bíblia” do Aconselhamento do Luto e Terapia do Luto, de J. William Worden. Ela estava fazendo formação em Tanatologia, e juntas fazíamos formação em Terapia Cognitiva Comportamental. Foi nesse tempo que conheci autores que tratavam do tema que muitas pessoas gostariam de evitar, e que, no entanto, dentre as incertezas da vida é a única certeza. Eu me refiro à finitude, à morte.
Há mais de uma década, li o livro de Tim Stafford, cujo título em tradução livre seria “Á Medida que os Anos Passam: preparando-se para o envelhecimento”. Cada capítulo trata de um dos dias do envelhecimento. No sexto capítulo, o autor trata sobre “dizer adeus” – o medo da morte e encarando a morte iminente são alguns dos tópicos desse capítulo.
Na mesma linha sobre finitude, está o livro da médica paliativista, Dra. Ana Cláudia Quintana Arantes, “A Morte é Um Dia que Vale A pena Viver”. E o clássico “A Morte e o Morrer”, de Elisabeth Kubler-Ross. E é à partir dessa obra, que trata das fases vividas por pacientes terminais, que de forma análoga, as fases do luto foram compreendidas. São elas: (1) negação, (2) raiva, (3) negociação/barganha, (4)depressão e (5) aceitação. Alguns teóricos alertam para o risco da literalidade sequencial das fases. Pois o que se observa é alternância entre elas, e por vezes, a superposição.
No livro Aconselhamento do Luto e Terapia do Luto, no primeiro capítulo, que trata sobre Apego, Perda e Experiência de Luto, grifei algo que chamou minha atenção. O psiquiatra George Engel, durante um debate no Hospital Geral de Massachusetts, descreveu nos mínimos detalhes um caso de luto. Ao final da apresentação, ele revelou a sua audiência que o comportamento descrito era o de uma avestruz que havia perdido seu parceiro. Com isso ele quis provar que há razões biológicas, que evocam respostas automáticas e instintivas diante da perda. E foi em sua dissertação, publicada em Psychosomatic Medicine que ele afirma que “a perda da pessoa amada é tão psicologicamente traumática, quanto ser gravemente ferido ou queimado”. Engel entende o processo de luto como semelhante ao processo de cicatrização.
No luto normal é natural surgirem sentimentos como os de tristeza, raiva, culpa e autocensura, ansiedade, solidão, fadiga, desamparo, choque, saudade, torpor (ausência de emoções), libertação (morte do “tirano”), alívio (“acabou o sofrimento”). Também é comum sensações físicas como aperto no peito, falta de ar, aperto na garganta, secura na boca, o que por vezes levam o enlutado à preocupação com check ups médicos.
É também comum surgirem padrões diferentes de cognição que marcam a experiência de luto, como a descrença (“isso não aconteceu”), confusão (dificuldade de concentração e esquecimento), ruminação sobre a perda, sensação de presença (enlutado acredita que o falecido ainda está presente), alucinações (visuais ou auditivas). E por fim, o luto também afeta o comportamento, causando distúrbios do sono, do apetite, ausência de pensamento (distração e automação), isolamento social, sonhos com o morto, evitação de lembranças, hiperatividade e agitação, choro, suspiro, procurar e chamar (eu vi minha mãe chamar pelo meu pai várias vezes).
O sábio Salomão escreveu em Eclesiastes 3 que “há um tempo certo para cada coisa; há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu; tempo pra nascer e tempo para morrer; (…) tempo para chorar e tempo para rir; tempo para ficar triste e tempo para dançar de alegria (…).
Aceitar a realidade da perda e processar a dor do luto, com tudo que isso envolve, inclusive se permitir a sentir raiva, frustração, faz parte das tarefas inadiáveis para viver de forma saudável o processo do luto, o processo de cicatrização, de dentro para fora (acostumar-se com a ausência) e de fora para dentro (curar memórias, encontrar um espaço dentro de si para guardar a presença de quem se ausentou do cenário).
Jamile Fiuza Baltar